quarta-feira, 27 de maio de 2009

Se eu pudesse mudar alguma coisa, repetiu ele. Estávamos há muito tempo a conversar. Ele estava deprimido, em uma daquelas crises existenciais que costumava a ter. Não me era novidade. Atirado ao sofá ele continuava: Se eu pudesse mudar alguma coisa... Não conseguia terminar a frase. Talvez não fosse apenas alguma coisa que gostaria de mudar, mas talvez muitas coisas, pensei. Ou talvez estivesse bêbado e com antidepressivos demais na mente, no estomago, no coração, para falar alguma frase que fizesse sentido. Enquanto eu estava de pé com certa distância sua, aguardando o momento em que ele fosse cair, desmaiar, morrer, de tanta dor. Muitos minutos se passaram, até que ele, finalmente, conseguiu continuar sua frase dolorida. Se eu pudesse mudar alguma coisa, qualquer coisa, imploraria a Deus que arrancasse de mim toda a minha lucidez. Bonita frase, falei para mim mesma, enquanto dei uma pequena risada irônica. Não sabia se decidia ficar assustada ou agiria com naturalidade, mas a verdade era que eu já sabia perfeitamente o que ele iria dizer. Ele lá, desolado, desalmado, atirado naquele sofá. Eu ali, em pé, compreensiva a sorrir. Sim, eram tão absolutas todas aquelas palavras e tentativas frustradas de frases, que tudo que consegui fazer foi apenas sorrir e pensar. Sim, eu sei. Começou então ele a chorar, corri para acalmá-lo. Estávamos abraçados, enquanto ele dizia que não tinha mais esperanças, estava afundando, afogado em lágrimas e dores. Chorava ao descrever seu infinito aperto no peito, sua infindável ansiedade e aquela maldita falta de não-sei-exatamente-o-quê. Compreendi naquele instante. Ele era minha alma e eu a sua. Estávamos fundidos, éramos um só, enquanto ele chorava tudo aquilo que eu jamais havia conseguido chorar, soluçava por mim, no meu lugar. Minha lucidez dói em mim, continuou. Em mim também, pensei. Minha lucidez me impede de ser feliz, ela desmascara toda realidade podre em que vivo. Em que vivemos. Como eu gostaria de ser mais um individualista, egoísta, moralista comum. Como eu gostaria de ser como aquela moça, que passa ali na rua, que acredita que sua vida é boa e que uma festa e uma garrafa de uísque barato podem solucionar todos seus problemas. Como eu gostaria de ser assim, ele repetia. Como eu gostaria de ser feliz, burra, alienada, gorda, e completamente feliz, como ela.