domingo, 30 de novembro de 2008

"Foram muitos dias nessa tortura, então entenda que percorri todas as rotas de fuga. Cheguei a procurar notícias suas pelos jornais, pois só um obituário justificaria tamanha demora em uma ligação. Enfim, por muito mais tempo do que desejaria, mantive na ponta da língua tudo o que eu devia te dizer, e tudo o que você merecia ouvir, e tudo. Mas você não ligou.
Mando esta carta, portanto, sem esperar resposta. Nem sequer espero mais por nada, em coisa alguma, nesta vida, pra ser sincera. No que se refere a você, especialmente, porque o vazio do seu sumiço já me preenche; tenho nele um conforto que motivos não me trarão. Não me responda, então, mesmo que deseje. Não quero um retorno; quis, um dia, uma ida. Que não aconteceu, assim deixemos para lá.
Estaria, entretanto, mentindo se não dissesse que, aqui dentro, ainda me corrói uma pequena curiosidade. Pois não é todo dia que uma pessoa não vai e não liga, é? As pessoas guardam esses grandes vacilos para momentos especiais, não guardam? Então, eis a minha única curiosidade: você às vezes pensa nisso, como eu penso? Com um suave aperto no coração? Ou será que você foi apenas um idiota que esqueceu de ir?"

Fernanda Young

terça-feira, 25 de novembro de 2008

"Ana pagou pela bebida e está indo até um cabeleireiro, próximo de sua casa. Nunca cortou o cabelo ali, mas não teme absolutamente nada. Causa um certo rebuliço ao dizer que quer o cabelo bem curto.
- Chanel?
- Não. Curto.
Pessoas se aglomeraram para assistir. 'Que coragem!', 'Um cabelo tão lindo', 'É uma pena', são alguns dos comentários que Ana é obrigada a escutar. 'Menina, guarda esse cabelo, depois faz uma peruca ou vende.' Ana pensa: Depois mete esse cabelo todo no seu cu e vai para a puta que o pariu."

Fernanda Young

domingo, 23 de novembro de 2008

Você já assistiu a aquele filme...? Você já leu aquele livro...? Não, não assisti. Não, não li. Caralho. Minha vida não se resume à compulsão de ler e assistir coisas por simplesmente ler ou assistir. Não. Mil vezes não. Não tenho grandes leituras, nem assisti a todos os grandes clássicos, mas os que estão em minha lista, me bastam. Menos ainda me sinto mais burra por não saber a respeito deste ou daquele assunto. Faço minha parte. Leio de forma silenciosa e assisto também. Me questiono e reformulo a medida que acho necessário. Obras não são troféus, são objetos de utilidade e apreciação particular e, eu, particularmente, detesto aqueles que se utilizam dos mais renomados para conquistar respeito e aplausos.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Com freqüência fico me perguntando em que parte do caminho se perdeu o nosso mundo de papel, que foi escrito em palavras não ditas e desalinhadas. Por um tempo entrelinhas me bastavam, mas no momento em que se tornaram abstratas demais, comecei a ficar preocupada. Por quê, afinal, você permitiu que ocorressem tantas reticências?

Flagro-me, às vezes, rabiscando desculpas para sua displicência, pinto histórias e o imagino perdido pelas linhas eternas do tempo, que passa tão depressa, deixando nossas palavras e feições amareladas. Isso dói demais em mim.

Lembro-me, ainda, de quando desenhávamos idéias infinitas na meia-luz da noite. Até o dia em que você pediu para que eu rasgasse nosso papel. E eu, fraca que sou, confesso que o amassei e o guardei, para que quando quisesse relembrar apenas abriria o armário. Foi quando isto aconteceu que percebi: o papel havia sido comido pelas traças da minha gaveta.